O Brasil dispõe de enorme potencial para geração de energia primária, mas vive à sombra de apagões. O problema é que há uma dificuldade imensa para transformar vantagens naturais em vantagens econômicas. De nada adianta toda a capacidade hídrica, sol o ano inteiro, corredor de vento no Nordeste, sem mecanismos eficientes de gestão, investimento e regulação para o setor elétrico.
Os gestores desses recursos ficaram mal-acostumados. Sempre sobrou energia elétrica no país, tanto que o excedente era vendido para a Argentina, divido com o Paraguai e usado para fazer o impensável, produzir calor para caldeiras das indústrias durante a crise do petróleo da década de 1970. Dava-se ao luxo de esbanjar eletricidade. Até que, em 2001, tudo se apagou.
E com o apagão daquele ano ficou claro que o básico havia sido negligenciado. A economia estava crescendo, puxando a demanda por energia que, no entanto, não podia ser suprida pela oferta. Investimentos em geração, distribuição e transmissão, que deveriam ser feitos enquanto havia folga no sistema, não saíram do papel. Restou correr atrás do prejuízo. Mas quando os investimentos vieram, o que faltou foi planejamento.
Foram leiloadas, entre 2001 e 2012, um total de 42 hidrelétricas, com capacidade para acrescentar 30 gigawatts (GW) de capacidade ao sistema. Mas 32 delas eram usinas a fio d’água, sem reservatórios. Ou seja, em períodos de seca ficam sem capacidade de geração.
Ficar na dependência dos humores da natureza não era exatamente do que o país precisava.
Desde 2012 a escassez de chuva inutilizou as usinas a fio d’água e passou a comprometer também as hidrelétricas que possuem reservatórios. As usinas térmicas a gás precisaram ser acionadas para suprir a falta de capacidade de geração hídrica. Mas queimar combustível para gerar eletricidade é bem mais caro do que deixar a água fazer esse trabalho.
Começou a se formar uma tempestade perfeita, como os especialistas na área de energia têm qualificado a situação atual. Os reservatórios baixos e os despachos das térmicas encareceram o preço da energia comercializada.
Com a geração comprometida, as distribuidoras precisaram buscar mais energia no mercado de curto prazo, onde, antes de 2012, pagavam menos de R$ 100 pelo megawatt-hora (MWh). Mas no cenário desenhado passaram a pagar mais de R$ 300 pelo MWh.
Eis que então, ao final daquele ano, o governo adota uma medida – considerada um grave erro de gestão – que finalmente desencadeia a tempestade que afogaria o setor elétrico em dificuldades.
Com a intenção de reduzir a tarifa para o consumidor final foi editada a MP 579, convertida em 2013 na Lei 12.783. Ela atrelou a renovação antecipada de concessões de empresas do setor elétrico, que venceriam entre 2015 e 2017, à redução de 20% nas suas tarifas.
A decisão tinha uma evidente motivação eleitoral. A presidente da República, já de olho na reeleição, afirmava aos consumidores-eleitores que lhes entregaria eletricidade mais barata, e que a fatura seria paga pelos rentistas que possuíam ações das empresas de geração. Ou seja, um arremedo de redistribuição de renda, como uma forte carga de conteúdo ideológico e partidário.
Os problemas ganham diferentes frentes a partir de então. Para cumprir as regras trazidas pela MP 579, as distribuidoras deixaram de repassar nas tarifas a realidade de aumento dos seus custos.
O caixa das empresas do setor elétrico ficou comprometido e muitas precisaram buscar recursos junto a bancos para saldar dívidas. Somente no ano passado, os bancos emprestaram R$ 17,8 bilhões às distribuidoras.
Além disso, ao segurar as tarifas, o governo acabou estimulando o consumo de energia em um período no qual o correto seria racionar.
Com isso, o preço pago pelas distribuidoras na compra de energia no mercado de curto prazo chegou ao recorde histórico de R$ 822,83 o MWh em 2014, agravando ainda mais a situação do setor elétrico.
CHOQUE DE REALIDADE
Segurar as tarifas de energia em um patamar irreal se mostrou insustentável. No início de 2015 os preços foram elevados, e o consumidor tem sentido isso no bolso. Estimativa do Instituto Acende Brasil, que funciona como um observatório do setor elétrico, aponta que ao longo deste ano o consumidor pagará, em média, 50% a mais pela tarifa de eletricidade.
Desse aumento previsto, 23,3% vêm da revisão extraordinária da tarifa promovida em fevereiro; 10% são provenientes de um reajuste anual nas margens das empresas do setor e 16,3% motivados pela implantação do sistema de bandeiras tarifárias.
Quando a bandeira vermelha aparece na conta de luz é sinal de que as usinas térmicas precisaram ser acionadas, o que joga o preço da geração de energia lá para cima. Então, são cobrados mais R$ 5,50 na tarifa a cada 100 quilowatt-hora (KWh). Essa é a realidade atual.
As análises do Acendo Brasil também apontam qual o peso de cada fator responsável pelo aumento do custo na geração da energia elétrica. A escassez de oferta, causada pela falta de chuva e atraso em projetos de linhas de transmissão, distribuição e geração respondem por 54% dessa elevação.
Outros 11% da culpa são atribuídos a erros de gestão do governo na condução dos leilões de contratação de energia, especialmente ao negligenciar os chamados leilões A-1 quando eles eram mais necessários.
Os A-1 envolvem contratação de energia no curto prazo - de um ano para outro - e suprem as necessidades das distribuidoras em períodos nos quais a geração está prejudicada. Mas o governo preferiu apostar em leilões com prazos mais amplos.
Os 35% restantes da responsabilidade são atribuídos ao aumento na chamada Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Para entender esse ponto é preciso voltar lá para 2012, quando o governo editou a MP 579, que tratava da renovação antecipada das concessões para as empresas do setor elétrico.
A medida retirou encargos que as concessionárias de energia tinham com a CDE, que foram assumidos pelo governo, um ônus bancado com recursos do Tesouro Nacional. Claro que as concessionárias não receberam isso de mão beijada, já que tiveram de assumir o compromisso de reduzir em 20% as suas tarifas para manter o preço da energia baixo para o consumidor.
O problema é que os custos para o Tesouro começaram a crescer, e a própria MP 579 previa que, em caso de impossibilidade de serem cobertos pelo governo, esses custos voltariam para as concessionárias. Como uma batata quente, praticamente todo o ônus da CDE voltou para as mãos das elétricas agora em 2015, que foram autorizaras a repassá-lo nas tarifas.
Em 2014 o efeito da CDE para as empresas do setor elétrico foi de R$ 1,7 bilhão com o suporte do Tesouro. Esse valor subiu para R$ 18,9 bilhões agora em 2015.
Com os custos sendo repassados para o consumidor final, o impacto na inflação foi enorme. O preço da energia elétrica foi o principal responsável pela elevação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – a medida oficial da inflação – nos últimos meses, e nem mesmo o aumento de juros praticados pelo governo têm segurado o índice.
Mas a tarifa elevada ajuda a segurar o consumo de eletricidade, num quadro em que também pesou o desaquecimento da economia e, consequentemente, a necessidade menor de energia por parte do setor industrial.
Nos últimos meses houve queda na demanda por eletricidade, o que tem dado respiro às hidrelétricas e contribuído para redução no preço de comercialização da energia. O preço no curto prazo, que começou o ano em R$ 388 o MWh, foi negociado em julho a R$ 236 o MWh.
Isso não significa que a tempestade perfeita que desconjuntou o setor elétrico tenha passado. Pode ser apenas a calmaria do olho do furacão. Ao redor, segundo Cláudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, as coisas ainda estão bastante agitadas.
“Boa parte dos fatores que levaram à situação atual continuam presentes, mas agravada pela insegurança jurídica trazida pela maneira como o governo lida com o problema”, diz Sales.
ALTA TENSÃO
As distribuidoras puderam repassar a suas tarifas, agora em 2015, o aumento do preço da energia que precisaram comprar no mercado de curto prazo. Mas nem tudo será coberto com o repasse ao consumidor.
A conta gerada pelos problemas no setor elétrico pode chegar a R$ 110 bilhões, segundo Alexei Macorin Vivan, diretor presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE).“Isso envolve indenizações não pagas e a exposição das empresas a situações de maiores riscos”, diz ele.
Todos os elos da cadeia elétrica querem ser ressarcidos por gastos que julgam indevidos e estão cobrando do governo os valores na Justiça.
Como exemplo, para as geradoras e transmissoras se propunha indenizar ativos não amortizados, mas os valores pagos ficaram aquém do esperado por elas, que estão cobrando a diferença.
As indenizações por investimentos feitos pelas empresas em bens não amortizados ou depreciados são previstas na MP 579. Mais uma vez ela.
As empresas do setor elétrico reclamam que a MP 579 foi elaborada pelas suas costas. “O setor não foi ouvido. A necessidade de renovação das concessões já era debatida desde 2008, mas o governo não se posicionava sobre a questão. Então apareceu com essa medida”, diz Vivan.
Nem todas as concessionárias de geração e transmissão aceitaram a MP, mas a maior parte das que estavam com o contrato para vencer eram estatais federais ou estaduais. As federais não tiveram muita escolha senão acatar a imposição da medida. Já as estaduais, pelo menos as principais, recusaram-se a subscrever os termos de renovação. Foi o caso da Cemig, Copel, Celesc e Cesp (Minas, Paraná, Santa Catarina e São Paulo).
A paulista Cesp argumentou na ocasião que, caso aceitasse os termos da MP 579, o que incluía a redução de 20% nas suas tarifas, passaria a receber R$ 184 milhões pela prestação dos seus serviços em 2013, valor que não cobriria seus custos, de R$ 270 milhões. Se acatasse a medida, a empresa também esperava receber R$ 7,2 bilhões em indenizações pelos ativos não amortizados, mas a oferta do governo federal era infinitamente menor, de R$ 1,8 bilhão.
Aquelas que aceitaram a medida agora cobram a diferença. O setor elétrico está todo judicializado. Ou seja, transferiu seus litígios para o colo do Judiciário.
O ALÍVIO VIRIA DE OBRAS... QUE ESTÃO EMPERRADAS
Outros países, além do Brasil, enfrentam problemas com as bases dos seus sistemas elétricos. Em 2003, partes dos Estados Unidos e do Canadá simplesmente ficaram às escuras por dois longos dias. O problema, que afetou a vida de mais de 50 milhões de pessoas, foi atribuído pelas autoridades de ambos países à falta de planejamento.
Apagões são recorrentes na Argentina também. Em 2006 aconteceram pelo menos dois, com duração de 24 horas. No ano seguinte mais um, que atingiu a cidade turística de Bariloche. O motivo apontado como responsável por colocar os hermanos no breu foi a falta de investimentos no setor elétrico.
Falta de investimento. Falta de planejamento. O Brasil também se ressente disso, mas com um agravante: existiam soluções, existiam recursos para tirá-las do papel, mas emperrou-se na burocracia institucionalizada.
Das atuais 23 obras para construção de hidrelétricas licitadas, 20 estão atrasadas, e a viabilidade para implantação de dez delas foi considerada baixa pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em relatório publicado em junho deste ano.
Baixa viabilidade significa que as obras esbarraram em problemas para obtenção de licenças ambientais ou então há demandas judiciais que impedem que a usina saia do papel.
A usina de Baixo Iguaçu, que poderia incorporar mais de 350 MW de potência ao sistema com suas três turbinas, está paralisada por questões ambientais. O mesmo ocorre com a usina de Tijuco Alto (128 MW) e Pai Querê (292 MW), cujas obras, que já constavam do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), nem foram iniciadas.
Para Vivan, presidente da ABCE, o setor elétrico precisa de maior previsibilidade nas licitações e nos licenciamentos. “Hoje não há prazo para a licença ambiental ser emitida”, reclama. “O Ibama não tem coragem de decidir quando outros órgãos, como a Funai, Iphan ou quilombolas, não decidem. São basicamente questões ambientais e fundiárias que atrasam as obras”, diz.
Esses entraves afetam também o maior projeto do setor elétrico em construção no país, a usina de Belo Monte (11,2 GW). Prevista para ser entregue em 2016, agora a estimativa é que todas as turbinas estejam gerando energia apenas em 2019 segundo a Aneel. Se não houver mais atrasos, no próximo ano 11 turbinas de Belo Monte estarão ativas. Mas 13 ainda estarão em obras.
Evidentemente a intenção não é submergir a história do país, ou sua pré-história, em reservatórios de hidrelétricas. Porém, energia é questão estratégica. É mais do que um banho quente no final do dia que está em jogo. Trata-se da competitividade da economia brasileira.
CHOQUE DE CUSTOS NA INDÚSTRIA
Um monitoramento feito pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) mostra que o preço da energia elétrica para a indústria brasileira é o mais elevado entre 28 países analisados.
Enquanto por aqui os empresários pagam R$ 543,8 pelo MWh, na China se paga R$ 336,4, na Rússia, R$ 133,1, e nos Estados Unidos, R$ 122,7, como exemplos em países de dimensões continentais, como o Brasil.
Esse valor engloba mais do que o preço da energia negociado no mercado. No cálculo da Firjan entram encargos setoriais, perdas técnicas, custo das bandeiras tarifárias e tributos federais e estaduais.
O custo maior da energia logicamente encarece a produção local, como lembra Camila Schoti, coordenadora de Energia da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace). E isso enfraquece a indústria nacional diante dos competidores internacionais.
Com a indústria debilitada, toda a economia do país perde. “O custo elevado da energia justificou cerca de 0,53 ponto percentual da retração no ritmo de crescimento do PIB brasileiro no ano passado”, diz Camila, baseando-se em estudos da Fundação Getúlio Vargas (FGV) feito para a Abrace.
Eletricidade é o principal insumo para vários setores, chegando a representar 40% dos custos de produção para as indústrias de alumínio, siderúrgicas ou petroquímicas. Alguns empresários não suportaram a pressão extra na conta de luz e decidiram se mudar.
No segmento têxtil e também no de plástico há casos de empresas que migraram para o Paraguai em busca de energia elétrica mais em conta. Por lá, a energia é 70% mais barata do que por aqui, e ironicamente é gerada na mesma matriz que alimenta boa parte do Brasil, a usina de Itaipu.
“A reversão do cenário passa pela implantação do verdadeiro realismo tarifário, no qual os custos do setor são alocados àqueles agentes que deram causa a eles”, comenta Camila.
O Brasil consome anualmente 463 mil Gigawatts-hora (GWh) de energia gerada por hidrelétricas, termelétricas, usinas nucleares e parques de energia complementar, como a eólica. É uma demanda enorme, que tem pressionado as geradoras. Para os próximos 15 anos alguns estudos mostram que será preciso dobrar a oferta de energia para garantir um abastecimento contínuo mesmo em períodos de seca severa.
E para tanto, as obras precisam sair do papel, mas de maneira planejada. A regulação do setor precisaria ser revista, mas com a participação das concessionárias que atuam nele. Caso contrário, vamos continuar vendo empresários deixando o país em busca de custos menores... o último a sair apaga a luz.
Com a crise hídrica ficou evidente a necessidade de o país diversificar sua matriz elétrica, hoje concentrada nas hidrelétricas, que respondem por quase 70% da geração. Ainda que a base do país seja hídrica, investir em fontes complementares possibilitaria maior flexibilidade ao sistema, evitando sobressaltos sazonais nos preços da eletricidade.
A capacidade eólica instalada hoje é de 6,9 gigawatts (GW), o equivalente a 2% no reparte da matriz. A solar mal aparece nas estatísticas da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Um desperdício absurdo se considerada a grandeza dos números implícitos nessas fontes.
Como exemplo, a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeolica) diz que há um potencial nos ventos brasileiros de 400 GW, mais do que o dobro da capacidade total instalada atualmente no país, considerando o uso de todas as fontes. É uma fonte de energia de baixo custo de produção, mais cara apenas que a hídrica.
Se o parque eólico fosse se expandisse, parte da demanda não coberta pelas hidrelétricas poderia ser suprida pela energia dos ventos. Mas como não há oferta suficiente nos parques eólicos, as termelétricas, com custo de geração bem mais elevado, precisaram ser acionadas para equilibrar o sistema.
Ennio Peres da Silva, do Instituto de Física da Universidade de Campinas (Unicamp), diz que seria necessário diversificar o sistema, integrando fontes renováveis e não-renováveis. “Cada uma tem suas vantagens e desvantagens. É necessário contar com uma política energética para aproveitar o máximo delas. O problema é que atiramos para todo lado”, diz Silva.
Não há como ignorar o potencial hídrico do país. A energia produzida pelas hidrelétricas é gerada de forma limpa, barata e em quantidade capaz de suprir as necessidades energéticas. Também é a única que pode ser estocada, ao ser armazenada na forma de água contida pelas barragens.
Os custos ambiental e social para a implantação de uma hidrelétrica, porém, são volumosos. Tudo indica que haverá cada vez menos disposição do mercado em arcar com esse ônus.
Em 1982, quando as comportas da usina de Itaipu foram fechadas para que seus reservatórios enchessem, belezas naturais como as cachoeiras de Sete Quedas foram submersas.
“Não vejo mais como mover cidades, a exemplo do que ocorria em décadas passadas. É só olhar para Belo Monte. Para o projeto sair do papel foi preciso praticamente ‘reconstruir’ o Pará como compensação”, diz o professor da Unicamp.
De outro lado, o custo de implantação de usinas térmicas é comparativamente baixo e as obras são rápidas. Além disso, ter térmicas é fundamental para ajustar a oferta à demanda, uma vez que permitem aumentar e reduzir a disponibilidade de energia com velocidade e sem desperdício.
Porém, o custo da geração térmica é elevado. Basta notar que a eletricidade é produzida por meio da queima de combustível, como óleo diesel, carvão ou gás natural, recursos não-renováveis e, além disso, ‘sujos’.
As usinas nucleares também possuem a capacidade de modular o sistema, assim como as térmicas, com a vantagem de não lançarem na atmosfera gases responsáveis pelo efeito estufa.
A energia gerada por fonte nuclear pode ser produzida continuamente, independentemente de fatores climáticos ou oscilação no preço dos combustíveis fósseis, o que dá previsibilidade ao valor cobrado pela energia no longo prazo.
Trata-se, contudo, de uma fonte que gera grande quantidade de resíduos perigosos, que exigem complexos procedimentos para armazenagem, já que não podem ser descartados. Além disso, o impacto de acidentes mais sérios são sempre devastadores. “É necessária, mas podemos parar em Angra 3. Se nos valermos muito dessa fonte teremos, no futuro, problemas com o descarte dos resíduos”, argumenta Silva.
VENTOS A FAVOR
A eólica foi a fonte que mais ganhou espaço no país nos últimos anos. Os leilões para comercialização de energia gerada nesta modalidadede são promovidos comcerta regularidade. Surgem daí novos parques com aerogeradores.
Ao longo de 2014, a capacidade dos parques eólicos mais que dobrou, chegando hoje a 262 usinas em operação comercial.
A expectativa do setor elétrico é que até o final de 2015 mais 3 GW de potência provenientes dos parques eólicos serão incorporados aos sistemas, totalizando 9,9 GW de capacidade. “A tendência é ampliar 3 GW ao ano por meio de leilões realizados até 2020”, diz Elbia Silva Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica).
Mesmo se este plano de expansão der certo, ainda faltará um longo caminho a ser percorrido. A energia eólica representa apenas 2% da matriz energética brasileira. Muito menos do que em países que investem regularmente nessa fonte, como China (23,7%), Estados Unidos (32,1%), Alemanha (18,5%) e Espanha (26,9%).
Por aqui, quem lidera a expansão eólica é a região Nordeste, onde há 156 usinas desse tipo, cerca de 80% do total. A outra parte está concentrada no Rio Grande do Sul. Mas à medida que a tecnologia avança no setor, mais oportunidades são encontradas nos ventos que cortam o país. Em 2001 o potencial eólico brasileiro era estimado em 150 GW. Hoje é de 400 GW.
Esse salto potencial se explica porque as torres que comportam os aerogeradores ficaram maiores nesse tempo - atualmente superam os 100 metros de altura - e assim conseguem interceptar ventos antes inalcançáveis, levando os parques para regiões onde há dez anos não se imaginava haver potencial eólico viável.
Essas torres mais modernas estão captando ventos de 6,5 metros por segundo (m/s) em São Paulo, não tão rápidos quanto os encontrados no Nordeste, que chegam a 12 m/s, mas tão bons quanto os melhores ventos na Alemanha, de acordo com a presidente da Abeeólica.
O setor vem se consolidando desde 2009, quando a energia gerada por essa fonte passou a se mostrar competitiva, com preços próximos aos das hidrelétricas. Desde então, fabricantes vindos principalmente da Dinamarca e Alemanha começaram a trazer tecnologia ao Brasil. Hoje há 11 fabricantes de aerogeradores aqui instalados.
Se as usinas eólicas crescem, o mesmo não pode ser dito das linhas de transmissão que levariam a energia produzida por elas aos consumidores. Hoje há dez parques eólicos prontos para produzir energia, mas não conseguem fornecer ao sistema porque as linhas de transmissão não chegaram até eles. O problema foi maior - já foram 40 os parques parados por não estarem conectados ao sistema.
O setor acredita que esse tipo de problema seja resolvido rapidamente, visto que a ampliação das linhas de transmissão está em execução. “O Brasil precisa expandir a matriz elétrica, mas essa ampliação precisa garantir oferta segura de energia, competitividade de preços e sustentabilidade ambiental”, comenta Elbia.
ENERGIA SOLAR: À SOMBRA DOS IMPOSTOS
Há muito ainda para ser explorado no campo da energia solar. O primeiro leilão nacional exclusivo para esta fonte ocorreu apenas em outubro de 2014, quando pouco mais de 1 GW foi comercializado, quantidade que representa 70% de toda a capacidade solar instalada no país atualmente. Como comparação, na Alemanha há 25 GW instalados.
Mas já há um sinalizador apontando qual será o caminho para a expansão dessa tecnologia, e ele passa pela chamada geração distribuída, ambiente no qual consumidores individuais produzem sua própria energia.
Mais do que grandes parques solares, o avanço do setor vai depender muito da pulverização de painéis em residências e prédios comerciais.
Foi o que sucedeu em países que estão à frente nesse campo. Segundo dados da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), dos 140 GW de energia solar instalados no mundo todo em 2013, cerca de 80 GW tinham origem na geração distribuída.
No Brasil, há previsões legais para esse tipo de geração individual, observando, inclusive, a possibilidade de comercialização do excedente produzido, algo que precisa ser regulado ainda. Entretanto, há barreiras que precisam ser superadas para estimular esse mercado, entre elas, a tributária. O governo tributa a energia produzida nas residências, por mais absurdo que isso possa parecer.
A energia injetada na rede por meio de painéis solares particulares, ou por qualquer outra forma de micro geração, é tributada na maioria dos Estados. O lado positivo é que já existe um acordo fechado no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) pedindo a isenção de impostos. Mas até hoje, apenas seis Estados (SP, GO, PE, RN, CE e TO) seguem o combinado.
Outro problema que impede a disseminação de painéis solares entre pequenos usuários é a falta de opções de financiamento para aquisição dos equipamentos. O leasing para esse tipo de produto, que tem ajudado a alavancar a energia solar em diversos países, não funciona no Brasil.
Hoje, os prazos de financiamento para compra dos painéis são de no máximo de cinco anos. “O financiamento ideal seria de 10 anos, já que damos 20 anos de garantia pelo produto. E os juros entre 7% e 10% ao ano. Aí falar em leasing faz sentido”, diz Rodrigo Lopes Sauaia, diretor executivo da Absolar.
Facilitar a compra é importante porque a tecnologia solar ainda é cara. Em parte pela incidência de impostos nos componentes usados em sua fabricação. O mais importante deles, o inversor fotovoltaico – que converte a corrente elétrica para o padrão usado comercialmente - tem mais de 60% de carga tributária.
Os painéis em si recebem benefícios fiscais, como a redução de IPI e ICMS. Mesmo assim, 30% do seu preço corresponde a impostos. “Temos essa desvantagem competitiva. Mas a tendência é que a tecnologia fique mais barata com o amadurecimento do setor”, acredita Sauaia.
Segundo ele, nos últimos dez anos o preço da energia solar foi reduzido internacionalmente em 75%. Somente em 2014 a redução foi de 5%. Muito da redução do preço da energia solar se deve a China e a outros países asiáticos.
Essa tecnologia é muito dependente da microeletrônica, e muitas das empresas desse nicho dos EUA e Europa se instalaram na Ásia anos atrás em busca de preços mais competitivos, deixando por lá seu know-how.
Agora os chineses estão se destacando nesse campo. A fabricante chinesa BYD está investindo R$ 150 milhões na estruturação de uma planta na cidade de Campinas, interior de São Paulo, que irá produzir uma quantidade de painéis capaz de atender a uma demanda de 400 megawatts (MW) ao ano.
Apesar das dificuldades, o interesse de empresas estrangeiras no Brasil mostra que há oportunidades neste mercado.
A energia elétrica tirou a humanidade das trevas, no sentido mais abrangente da palavra, pavimentando o caminho para o século 21. Ironicamente, faz isso até hoje amparada por tecnologia do final do século 19. Parado no tempo, o arranjo da malha que faz a eletricidade chegar às nossas casas está longe de ser considerado eficiente. Há desperdício ao longo da cadeia e pouco controle por parte de quem vende e consome.
Quando alguém que mora em São Paulo aperta o interruptor e acende a lâmpada da sala está usando eletricidade que provavelmente veio lá do Norte do país, gerada por alguma hidrelétrica. Nesse longo caminho pelas linhas de transmissão inevitavelmente parte da energia é perdida na forma de calor (são as chamadas perdas técnicas). Além disso, como a geração é concentrada em grandes fornecedores, qualquer interrupção no abastecimento afeta regiões enormes.
Seria mais esperto ter pequenos produtores de energia elétrica próximos dos centros de consumo, interligados entre si, um dando suporte ao outro, criando assim um sistema mais eficiente. Esse arranjo não é ficção, ele já funciona em dimensão modesta aqui mesmo no Brasil: faz parte da chamada smart grid, ou malha inteligente.
Desde 2012 o estádio de futebol de Pitaçu, em Salvador, funciona como uma mini usina solar. Com a cobertura das arquibancadas tomada por painéis solares, o estádio é capaz de atender um consumo de 633 megawatts-hora (MWh) anuais, capacidade que supre a demanda por energia de diversos prédios públicos. O governo do Estado da Bahia calculou que entre 2012 e 2014 economizou mais de R$ 400 mil em energia elétrica com o projeto.
Claro que seriam necessários inúmeros Pitaçus dando suporte às concessionárias de energia em período de pico de consumo ou em caso de falhas no fornecimento. Aí então poderíamos falar em sistema eficiente. Mas não há estádio suficiente para dar conta desse trabalho. Por outro lado, há residências, comércios e indústrias que podem fazer às vezes de micro usinas.
Algumas indústrias conseguem produzir a própria energia que usam. A de papel e celulose é um exemplo. Esse setor usa o licor negro - um subproduto da fabricação do papel - para abastecer suas mini termelétricas. “As indústrias que usam tecnologia mais avançada conseguem suprir 100% da energia que utilizam e ainda colocam o excedente no sistema”, diz Thays Prandini, diretora da consultoria Thymos Energia.
A energia excedente produzida pela indústria, por residências munidas de painéis solares e por estádios, pode ser colocada no sistema elétrico gerando alguma compensação para quem a produziu, como créditos.
Por exemplo: durante o dia, enquanto você está no trabalho, a energia solar produzida em sua residência é mais do que suficiente para manter a geladeira ligada. O que sobra é direcionado ao sistema, gerando crédito que você usa no final da tarde, quando volta para casa e liga o chuveiro, a televisão e o forno elétrico.
O modelo arcaico, no qual a energia elétrica segue uma única direção, passa a ser radial e ganha eficiência com a figura do consumidor-fornecedor. As ferramentas/tecnologias para criar esse sistema estão aí. O desafio atual, não só no Brasil, mas no mundo, é integrar tudo isso de maneira inteligente.
As informações relativas ao consumo de cada residência e de cada micro fornecedor terão de ser lidas em tempo real pela concessionária que administra a malha, que por sua vez terá de processar esses dados rapidamente para adotar ações como, por exemplo, a de redirecionar energia para áreas onde houve interrupção no fornecimento.
A base dessa estrutura são os medidores inteligentes, que substituem os antigos “relógios” de luz. Hoje, as empresas de energia recebem informações sobre o consumo uma vez por mês, depois que o leiturista passa nas residências para fazer a medição. Os medidores inteligentes podem fazer isso em tempo real. Mais uma vez, não se trata da visão de um futuro distante. Essa tecnologia já está no mercado.
Arte: Odilon Queiroz
A AES Eletropaulo vem instalando esses medidores em 60 mil residências do município de Barueri, na região metropolitana de São Paulo. O mesmo ocorre em Minas Gerais, onde a Cemig toca o projeto cidade do futuro no município de Sete Lagoas. A Eletrobrás tem levado essa inteligência para Parintins, no Amazonas. Estes são alguns dos exemplos de embriões da smart grid em curso no país.
Os medidores inteligentes instalados nesses projetos pilotos permitem que os consumidores acompanhem seus gastos com eletricidade a qualquer momento, mesmo à distância, pela internet. Esse mesmo monitoramento é feito pela concessionária de energia, que passa a ter condições de detectar anomalias no consumo ou fornecimento. É um início modesto, mas esse acompanhamento instantâneo abre várias possibilidades.
A smart grid pode integrar equipamentos de automação residencial, como tomadas inteligentes, que mostram quanto cada eletrodoméstico está consumido de energia, dando uma dimensão muito mais ampla ao sistema. “Podemos chegar ao ponto de a concessionária desligar só o chuveiro de uma residência para evitar um apagão no bairro”, exemplifica Mauricio Catelli, diretor da CAS Tecnologia, empresa que produz o “cérebro” dos medidores.
Essa malha inteligente, onde correria informações fornecidas pelas residências que consomem e produzem energia, abrangeria também mini usinas geradoras, usinas eólicas e solares, e o todo seria administrada pelas concessionárias, que poderiam gerir muito melhor o uso da eletricidade.
Chegar a esse ideal exige que alguns desafios paralelos sejam superados. A comunicação entre medidores e a concessionária é feita via rede celular, que no Brasil ainda precisa ser melhorada. A expectativa é que a expansão do 4G ajude a acelerar a entrada da malha elétrica brasileira no século 21.
As margens já estreitas do varejo se defrontam com um novo algoz –a explosão dos custos de energia elétrica, insumo crítico para o setor. O crescente aumento das tarifas nos últimos dois anos atingiu 58% e fez o item passar para o segundo lugar entre as principais despesas de uma loja, em especial dos supermercados. Perde apenas para os custos com pessoal.
Pelas projeções do setor, não há esperança de uma desaceleração dos aumentos no médio prazo. Isto significa que a competitividade das empresas de varejo vai exigir um rigoroso controle dos gastos com energia elétrica. Neste contexto, o conceito de eficiência ambiental começa a circular com mais naturalidade.
Em paralelo com o cenário negativo, que está obrigando o controle estrito do consumo de energia, o setor vem sendo beneficiado por um facilitador, o surgimento de tecnologias mais eficientes e econômicas para iluminação e refrigeração, os itens campeões de custos entre os supermercadistas.
Embora dramático, o impacto da crise pode ter aspectos positivos para acordar um dos setores “menos maduros” em relação às medidas socioambientais, segundo avaliação de Heiko Spitezeck, professor e gerente do Núcleo de Sustentabilidade da Fundação Dom Cabral.
“Em pesquisas que realizamos, constatamos que o varejista, em especial o pequeno e médio, nem ao menos sabe quanto gasta de energia por ano”, disse Spitezeck.
“Se não mede, como vai conseguir estabelecer metas de redução? Como vai saber quanto está perdendo de rentabilidade?” Para ele, a eficiência energética é o caminho de retorno mais rápido para iniciar um processo de redução de custos no varejo.
Na contramão do comportamento meramente reativo observado no varejo em geral, estão os dois gigantes do varejo, GPA e Walmart. Com programas robustos de eficiência energética em implantação, as duas redes seguem diretrizes incorporadas ao planejamento estratégico de longo prazo e alinhadas às políticas definidas globalmente por suas controladoras. O conceito que adotam expressa a visão de conciliar o interesse do negócio com os interesses da sociedade. Conhecer as experiências das duas companhias pode proporcionar lições valiosas para a guerra energética que estamos vivendo.
De sistemas automatizados de gestão a um toque no consumidor para lembrar de fechar a porta, a rede americana montou um cerco contra o desperdício de energia. O resultado deve aparecer no lucro
Em 2013, as lâmpadas LED disponíveis no Brasil eram importadas, caras e inadequadas. Como um programa completo de eficiência energética para implantar, no qual a iluminação por LED era um dos requisitos, o Walmart decidiu ir à fonte para conseguir o produto certo para suas 500 lojas. Segundo os parâmetros utilizados pela companhia, uma lâmpada convencional tem duração de oito meses e uma LED, até 20 anos.
Procurou a GE e a Phillips e lançou o desafio de desenvolverem no Brasil a nova tecnologia para atender a demanda do varejo. O parâmetro seria o hipermercado de Indaiatuba, na região de Campinas, inaugurado em 2013, reconhecido como o primeiro no gênero a ser 100% iluminado com lâmpadas LED, dos balcões refrigerados ao estacionamento.
Um ano e meio depois, a medida passou a ser meta para todas as unidades da rede, feita com o produto criado especialmente para o Walmart.
O estímulo à inovação entre os fornecedores, que se tornou parte da estratégia da rede americana, tem dois pontos a considerar neste caso. Além de comprovar a profundidade das transformações socioambientais que a rede pretende provocar usando seu cacife de umas das maiores compradoras do mundo, demonstra também a importância de alinhar estas ações em uma visão de longo prazo e não apenas adotá-las de forma reativa, quando a crise bate na porta.
“Entre as diretrizes definidas desde 2005 pelo Walmart”, diz Luiz Herrisson, diretor de sustentabilidade, “ficou estabelecido como meta global reduzir o consumo em 25% e mudar a matriz de abastecimento para ter 100% da energia originada de fontes renováveis até 2025.”
O fato de o Brasil ter como principal matriz a energia provinda de hidrelétricas fez com que a filial se concentrasse mais no controle do consumo, estabelecendo como meta um corte de 12% por metro quadrado.
O agravamento da crise levou a companhia acelerar a implantação do programa, que tem previstos R$ 32 milhões de investimentos. As medidas, já testadas e mensuradas, contemplam várias frentes definidas entre os pontos mais críticos para o varejo e vem sendo implantadas progressivamente na rede. Dois mereceram mais atenção – refrigeração e iluminação.
Nos avanços do programa, teve papel fundamental a integração proporcionada pelo sistema interligado de gestão energética, que solucionou as falhas causadas pela gestão humana. Entre as tarefas que passaram a ser controladas pelo programa, estão o controle da temperatura ambiente conforme o fluxo de pessoas, o monitoramento da eficiência dos refrigeradores, a intensidade da iluminação e o envio de alerta diante qualquer problema detectado.
“Temos uma estrutura dedicada à implantação do programa. Inclui uma equipe específica para energia, com um diretor”, afirma o diretor de sustentabilidade. As ações fazem parte do escopo das áreas de desenvolvimento, entre elas a responsável pela construção de lojas, e são acompanhadas por um comitê multidisplinar que envolve o presidente da companhia. Energia é um tema recorrente nas reuniões do staff. As metas são acompanhadas trimestralmente e há uma permanente troca de boas práticas entre os gestores.
Tratado como um direcionamento válido para a organização no mundo todo, os objetivos e metas ganham consistência para o conjunto dos funcionários. “Quando há uma definição clara para onde a companhia quer ir e uma garantia de que as metas não serão mudadas se houver uma troca de gestores”, avalia Herrisson, “o cumprimento das diretrizes passa a ser visto como bom para o negócio.”
De qualquer maneira, um programa de eficiência energética não pode prescindir do fator humano para ter sucesso. Para os funcionários, a companhia investe em medidas de conscientização para conquistar o engajamento. Atos como apagar as luzes e fechar bem as câmaras frigoríficas, embora estejam previstos em um sistema automatizado, também ficam nas mãos de pessoas.
Quanto aos consumidores, era uma incógnita antecipar qual seria o grau de adesão ao novo formato dos refrigeradores. “Houve a preocupação de um impacto nas vendas no início da mudança”, avalia o diretor de sustentabilidade. “Mas as novidades foram assimiladas rapidamente. O consumidor entendeu que se tratava de uma solução moderna.”
Conduzida por uma central de operações, o programa de eficiência energética do grupo quer resultados em um ano. Para isso, massificou as ações para as duas mil lojas
Há cinco anos, o Grupo Pão de Açúcar (GPA), maior conglomerado de varejo do país, vinha testando iniciativas de eficiência energética. O carro-chefe eram as lojas verdes. Em número de sete, reúnem o que há de excelência em métodos construtivos, materiais, tecnologias e processos orientados por diretrizes de sustentabilidade, entre os quais os relacionados à racionalidade no uso de energia.
A crise energética enfrentada pelo país nos últimos 12 meses tornou imperativo o que ainda poderia ser opcional. De acordo com a gerente de sustentabilidade do grupo, Laura Pires, “a ordem passou a ser acelerar o programa de eficiência energética e massificar as experiências para todas as lojas da rede.”.
Desde meados de 2014, para enfrentar os pontos críticos, o GPA implantou uma série de ações em três frentes – aumentar a participação da energia renovável na matriz energética da companhia; reduzir o consumo com a mudança de equipamentos e processos; e incentivar a redução de consumo entre funcionários e clientes. A companhia anunciou investimentos de R$ 12 milhões para esta etapa do programa.
Para garantir a disseminação por toda a companhia, o programa é conduzido por um grupo de trabalho multidisciplinar com representantes das áreas de logística, compras, manutenção, sustentabilidade, financeiro e operações. O plano de ações prevê objetivos e metas específicos para cada uma das 12 bandeiras do grupo. Para começar, a rotina de monitoramento do consumo para detectar falhas e desvios de padrão passou a seguir ciclos mais curtos.
Para conduzir a tarefa, o grupo trouxe para o Brasil a consultoria Green Yellow, braço do grupo Casino especializado em implantar programas de eficiência e de substituição de matriz energética.
Os especialistas da empresa priorizaram os dois pontos críticos do consumo de energia no varejo, principal motivo de desperdício e custos excessivos - os balcões refrigerados para produtos perecíveis e o ar condicionado. A solução para os refrigeradores consiste apenas em fechá-los com portas, um sistema que esbarra em uma resistência cultural do varejo no país. Para o ar condicionado, seguiu-se o caminho da automação.
A segunda etapa do plano conduzido pela Green Yellow prevê a implantação de centrais de geração de energia solar para abastecer as lojas. O projeto replica uma experiência difundida na França, na qual o grupo Casino utiliza o estacionamento e os telhados das lojas para instalar as usinas.
Na ponta do programa, o grupo previu ações de comunicação, com o lançamento de uma campanha permanente de conscientização dos funcionários para as práticas cotidianas de uso racional de energia.
Um acompanhamento mais próximo está direcionado aos funcionários que lidam diretamente com os equipamentos e o sistema de automação. “Não adiantará termos os processos mais avançados”, lembra Laura Pires, “se não pudermos garantir que a pessoa na linha de frente esteja de fato capacitada e engajada nos procedimentos.”
Para a executiva, a explosão do custo da energia pode representar uma oportunidade para o varejo repensar toda a sua relação com o consumo de bens naturais e a necessidade de uma visão de gestão ambiental. “Podemos estar vivendo um momento de mudança de paradigma no setor”, completa.
O setor de etanol tem potencial para reduzir a necessidade do Brasil de importar gasolina, o que não é exatamente uma novidade. Entre as décadas de 1970 e 1980 o álcool literalmente movia o país, abastecendo mais de 70% da frota de veículos.
Mas a política que estimulou essa expansão – o Proálcool - durou pouco, e os derivados do petróleo voltaram a ganhar espaço. Hoje o etanol está relegado ao segundo plano, com 22% do mercado.
A gasolina passou a ser a estrela, mas não tem dado conta dessa responsabilidade. Mesmo com a Petrobras abrindo novas frentes com o pré-sal, o país tem importado uma média de 2,5 bilhões de litros de gasolina por ano para suprir a demanda. Um volume que tem crescido. No primeiro semestre deste ano já foram importados quase 1,97 bilhão de litros.
“Nesse ritmo, em 2023 o Brasil precisará comprar no mercado externo entre 15 e 20 bilhões de litros de gasolina para atender ao consumo interno”, diz Plínio Nastari, presidente da Datagro, consultoria especializada no tema.
Essa previsão não considera grandes mudanças no quadro atual. Não há como desprezar a possibilidade de a Petrobras ampliar a produção, com uma importante ressalva: pelos próximos cinco anos a petroleira fará grandes cortes em seus investimentos para sanar uma dívida que fechou o primeiro semestre em R$ 415 bilhões.
Nesse contexto, assim como ao final da década de 1970, o etanol volta a ter papel estratégico. Afinal, quanto mais o biocombustível estiver disponível no mercado, menos gasolina será importada. Claro que isso só vai acontecer caso as usinas consigam contornar uma crise que já dura mais de cinco anos.
DESMONTE
Depois do Proálcool o etanol foi praticamente enterrado, mas quando as últimas pás de cal estavam sendo jogadas ele recebeu uma injeção de adrenalina. Era início dos anos 2000. O preço do petróleo voltava a disparar, e as políticas de redução de emissão de CO2 em países europeus e nos Estados Unidos estavam alta.
O etanol de cana passou a ser visto mundialmente como fundamental para um futuro energético sustentável. Mas veio a crise financeira internacional em 2008, e a questão ambiental passou a ter um peso menor.
Nesse período o pré-sal também começava a se mostrar valioso, levando o governo brasileiro a direcionar suas políticas para a prospecção de petróleo e a valorização dos seus derivados.
Entre 2010 e 2014 foi praticada uma política de desvalorização artificial do preço da gasolina. Para limitar seu impacto na inflação, a gasolina passou a chegar às bombas com um valor médio 16% inferior ao valor pelo qual era importada. A Petrobrás passou a sofrer prejuízos crônicos, mas a prioridade do governo era a de não mexer nos preços dos derivados de petróleo.
Para agravar esse quadro, a Cide deixou de incidir sobre a gasolina entre 2012 e o início deste ano.
Para fazer frente à gasolina, as usinas de etanol precisaram baixar seus preços, uma vez que tecnologia dos carros Flex já estava consolidada, permitindo ao consumidor optar pelo combustível mais rentável.
Em meio a tudo isso, entre 2011 e 2013 a mistura de etanol à gasolina foi reduzida de 25% para 20%, diminuindo ainda mais as margens dos usineiros.
As consequências desse conjunto de medidas foram devastadoras para o setor de etanol, resultando em 80 usinas fechadas entre 2008 e 2014, de acordo com a União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica). A indústria sucroalcooleira acumula hoje uma dívida de R$ 75 bilhões, o equivalente a 110% do seu faturamento.
RETOMADA
Mais uma vez, quando os últimos pregos eram martelados na tampa do caixão, um novo sopro de ar reanima o setor do etanol.
Desde o início de 2005 parte dos subsídios ao consumo de gasolina foi retirada, ajudando o álcool a ser competitivo novamente nas bombas. Além disso, alguns Estados passaram a incentivar o etanol, reduzindo o ICMS incidente sobre ele, caso de Minas Gerais e Paraná, Mato Grosso e Goiás.
Outro fator que vem impulsionando a retomada do biocombustível é a abundância de açúcar no mercado mundial, tornando o preço do produto pouco atrativo aos usineiros, que passaram a dar mais atenção ao álcool.
O consumo médio mensal de etanol no país, que era de 1,25 bilhão de litros por mês, aumentou hoje para 1,5 bilhão de litros, segundo a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Nessa toada, a Unica projeta que, da safra 2015/2016 de cana-de-açúcar, 58,10% será destinada à produção de etanol, um aumento de 1,12 ponto percentual na comparação com a safra 2013/2014.
É estimulante, mas estamos longe de suprir a necessidade de importar gasolina. Para chegar a este ponto seria preciso uma série de ajustes.
“Ainda temos problemas com subsídios cruzados, com o preço do diesel muito acima do mercado internacional subsidiando a gasolina mais barata”, diz Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da Unica. “Não há como ter previsibilidade de preços assim”.
Para Rodrigues, faltam regras mais claras no ambiente de competição entre o etanol e a gasolina, medidas que permitam que sejam feitas projeções para o preço do biocombustível.
Hoje, quase que a totalidade dos contratos de compra e venda de etanol envolve pagamentos à vista. Assim, não há possibilidade precificação ou a prática de hedge nesse mercado. A regulação envolve apenas o etanol anidro.
O etanol que você encontra no posto de combustível é relativamente fácil de produzir. Simplificando, trata-se de um fermentado de açúcares, assim como a cerveja ou o vinho. Independentemente da destinação dada a estes produtos – seja regar um banquete ou mover o táxi que o levará até ele – outro ponto em comum entre esses fermentados é o “desperdício” existente em seus processos de produção.
Especialmente no caso do etanol, a quantidade de resíduos gerada é enorme em comparação com o volume final produzido. Com uma tonelada de cana se obtém pouco mais de 150 quilos de açúcar, que resultarão em 90 litros de etanol. Em peso, sobram 85% da planta (o bagaço e as folhas).
Mas esse resíduo é um material valioso. Ainda que as usinas o queimem para gerar energia para suas unidades, ao fazer isso elas também acabam jogando fora litros e litros de etanol em potencial. Isso porque há muito açúcar para ser transformado em álcool escondido no bagaço e folhas da cana. Só que é difícil extraí-lo.
É difícil, mas não impossível. Há atualmente um enorme esforço mundial para o desenvolvimento de tecnologias que possibilitem “espremer” até a última gota o etanol da cana - ou de qualquer outro vegetal. São processos que estão conduzindo ao chamado etanol de segunda geração (2G).
Produzi-lo ainda é mais caro do que o etanol convencional, de primeira geração. Obter cada litro de etanol convencional no Brasil custa cerca de R$ 1,20 ante R$ 1,40 com o idêntico volume de etanol 2G.
Os preços ainda não compensam a comercialização desse novo produto da evolução do etanol, o que não tem impedido pesados investimentos feitos por gigantes como a Raízen, joint venture entre a Cosan e Shell, que deve injetar R$ 2,5 bilhões nos próximos cinco anos no Brasil para erguer sete plantas de produção.
É que o etanol 2G traz vantagens competitivas para as usinas e, por tabela, para o consumidor final. Como esse combustível é feito aproveitando tudo da cana, será possível ampliar em até 50% a produção de etanol por hectare plantado. Esse aumento de produtividade tende a baratear o preço do combustível, o que elevaria seu consumo.
As pesquisas e tecnologias que estão sendo desenvolvidas para esse segmento levam os especialistas a crerem que entre três e cinco anos será possível produzir etanol 2G ao custo do etanol de primeira geração.
COQUETEL DE ENZIMAS
O etanol convencional é obtido ao esmagar a cana até se chegar a um caldo açucarado que depois será fermentado por leveduras. Já para extrair etanol 2G do bagaço e folhas que sobram do processo anterior é necessário utilizar um coquetel com 50 tipos de enzimas que irão decompor todas essas partes sólidas em um líquido mais fácil de fermentar.
São poucas as empresas que conseguiram sucesso em desenvolver coquetéis enzimáticos eficientes a um custo viável. E aquelas com capacidade comercial são ainda menos numerosas. O fornecimento desses coquetéis é praticamente um monopólio da dinamarquesa Novozymes - um dos principais fatores que encarecem a produção do etanol 2G.
Para o professor Carlos Alberto Labate, do departamento de genética da Esalq, da USP, baratear a produção do etanol 2G no Brasil passa necessariamente pela produção local de enzimas eficientes. Algo que ainda acontece de maneira pontual.
O CTBE – Laboratório Nacional de Ciência Tecnológica do Bioetanol – de Campinas é um dos únicos representante no país com pesquisas avançadas nessa linha. Em novembro passado, o laboratório anunciou que conseguiu produzir coquetéis de enzimas ao custo de US$ 0,10 por litro de etanol, algo que já tornaria seu uso economicamente viável. Mas ainda precisam ser realizados testes em escala industrial.
BRASIL: ARÁBIA SAUDITA DO ETANOL 2G?
Etanol rentável é o de cana-de-açúcar, isso é consenso. Vantagem para o Brasil, que é referência no manejo dessa cultura. Um hectare plantado de cana rende mais que o dobro de etanol obtido de um hectare de milho, seu maior concorrente. E ainda que o etanol 2G possa ser obtido com base em qualquer tipo de vegetal, não há um substituto à altura da cana em termos de rendimento por área plantada.
Além disso, toda a tecnologia empregada nas usinas considera o processamento da cana ou do milho. Ou seja, a possibilidade de o Brasil assumir a liderança na produção de etanol 2G é grande. Não é à toa que gigantes mundiais do setor de combustíveis estejam usando o país como plataforma para seus projetos nesse segmento.
Com os investimentos programados, a Raízen deve atingir na próxima década capacidade produtiva de 1 bilhão de litros de etanol 2G ao ano. Seu projeto envolve sete unidades, sendo que a primeira já entrou em operação em Piracicaba, interior de São Paulo, com capacidade de produzir 40 milhões de litros a cada ano.
A Raízen não é a única nesta corrida. A GranBio tem uma planta em Alagoas com condições de produzir 84 milhões de litros por ano de etanol 2G. Foi a primeira unidade no Hemisfério Sul a alcançar uma escala industrial. Até 2020 a GranBio planeja investir R$ 4 bilhões em 10 novas unidades, para também chegar a um bilhão de litros.
Com as duas unidades ativas da GranBio e Raízen o Brasil hoje tem capacidade para produzir 124 milhões de litros de etanol 2G por ano, equivalente a pouco mais de 1/5 da capacidade mundial -cerca de 500 milhões de litros-, que está concentrada nos Estados Unidos.
Mas esse mercado ainda é incipiente. Como comparação, a produção brasileira de etanol de primeira geração foi estimada em 28 bilhões de litros no ano passado. Ou seja, há muito espaço para o país, que tem potencial para ultrapassar os Estados Unidos assumindo a liderança no fornecimento do etanol 2G. Resta saber se o governo não irá repetir erros do passado.
POLÍTICAS EQUIVOCADAS
O engenheiro agrônomo Luiz Carlos Corrêa Carvalho, sócio-diretor da Canaplan, argumenta que a produção em escala do etanol 2G deveria ser vista como uma questão estratégica para o Brasil. Segundo ele, o potencial desse combustível é tão estratégico que poderá livrar o país da necessidade de importação de derivados do petróleo (gasolina e diesel).
Por mais contraditório que possa parecer, o país que com o Proálcool foi pioneiro no uso em escala do etanol como combustível – na década de 1980 quase todos os carros novos eram movidos a álcool –, hoje a maioria depende da gasolina.
A gasolina domina praticamente 80% do mercado interno. Para dar conta da demanda, o país importa anualmente uma média de 2,5 bilhões de litros do derivado do petróleo.
Essa distorção ocorreu em parte porque o governo federal que detém o monopólio do petróleo por meio da Petrobras, manteve baixo os preços da gasolina e do diesel, com o propósito de manter a inflação sob controle, uma vez que o preço do combustível influencia os preços de toda a cadeia produtiva e logística.
A questão é que hoje 80% dos carros fabricados são da modalidade Flex. É o consumidor que escolhe se vai abastecer com etanol ou gasolina. Para não perder mercado, os produtores do etanol precisam manter seus preços abaixo do da gasolina, o que nem sempre foi possível. Como resultado, nos últimos cinco anos, enquanto a produção de gasolina dobrou, a de etanol ficou estagnada.
Agora, com a promessa do etanol 2G ampliar em até 50% o volume de combustível produzido por hectare de cana, talvez seja possível reverter essa dependência atual da gasolina, já que esse aumento da oferta de etanol tende a influenciar seu preço. Segundo a GranBio, quando suas 10 unidades estiverem operando em pleno vapor (não há prazo para isso), seu custo de produção será 20% inferior ao do etanol de primeira geração.
REINVENTANDO O SETOR
O etanol 2G traz outras vantagens estratégicas para o setor sucroalcooleiro. Hoje, as usinas trabalham por oito meses e interrompem a produção nas entressafras. Porém, de acordo com Labate, como a tecnologia do 2G permite extrair etanol de qualquer vegetal, outras culturas, como o sorgo e o eucalipto, podem ser processadas durante as entressafras.
De maneira mais ampla, o professor da Esalq defende que as usinas ganhem outra roupagem, transformando-se em “biorefinarias”. Segundo ele, as novas unidades a serem implementadas no país e no mundo serão mais eficientes, com capacidade de produzir, além do etanol e do açúcar, produtos de maior valor agregado, hoje concentrados na indústria petroquímica, como o plástico, insumos para as indústrias farmacêutica e cosmética, solventes, entre outros. Só que tudo à base de fibras de celulose, carregando o apelo do ecologicamente correto.
“É precioso diversificar para fazer o negócio economicamente viável. E seguir o exemplo das refinarias de petróleo, ter o desempenho do setor petroquímico como parâmetro, é um bom começo para o setor sucroalcooleiro”, diz Labate.
A exploração do Pré-sal é uma tarefa e tanto. Chegar ao petróleo contido em depósitos formados milhões de anos atrás exige levar equipamentos a sete quilômetros de profundidade, onde a pressão é 400 vezes superior à do nível do mar, onde há gases corrosivos e temperaturas que chegam a 150 °C.
Evidentemente, o tamanho do desafio equivale ao dos seus custos, o que não é uma boa notícia em um momento de forte queda no preço do petróleo.
O preço do barril de petróleo, que por quatro anos se manteve acima de US$ 100, despencou 50%, sendo comercializado em julho de 2015 a US$ 54. A perspectiva é de que a commodity só recupere o valor no longo prazo -até porque as forças responsáveis pela desvalorização não devem ceder facilmente. Há uma briga de gente grande acontecendo nesse mercado.
O óleo extraído das rochas de xisto tem suprido boa parte das necessidades energéticas dos Estados Unidos, ajudando a produção norte-americana de petróleo crescer 60% desde 2009. Com esse avanço, o país voltou ao posto de maior produtor mundial, o que reduziu a sua necessidade de importar o combustível de produtores tradicionais.
Outros grandes consumidores, como a China e a Europa, também estão comprando devido à causa da queda no ritmo das suas economias. A realidade é que há petróleo sobrando no mundo. Normalmente quando a demanda por um produto diminui, os responsáveis pela oferta fazem o mesmo, ajustando-se o mercado. Mas não é isso que tem acontecido.
A Arábia Saudita e outros dos principais produtores de petróleo não gostaram muito da concorrência do xisto e resolveram medir forças com os norte-americanos, mantendo a produção a todo vapor mesmo com as compras em baixa, o que levou os preços do combustível ao patamar atual. Foi uma forma de desestabilizar o produto concorrente para não perder mercado.
A Petrobras acabou sendo vitimada por essa guerra. O preço do barril tem se aproximado perigosamente do valor limite médio estimado pelo mercado para dar viabilidade ao Pré-sal, estimado em US$ 45. Ou seja, somente a partir desse valor seria possível obter lucro de cada barril extraído pela estatal.
E isso ocorre em um momento em que a empresa não pode se dar ao luxo de abrir mão de receita. A Petrobras carrega uma dívida que fechou o primeiro semestre em R$ 415 bilhões, a maior parte resultado da política de controle de preços da gasolina adotada até o ano passado pelo governo para conter a inflação.
A exploração do petróleo não convencional, como o do pré-sal, o xisto norte-americano, ou ainda o existente no Golfo do México, é mais afetada com as quedas no preço da commodity, já que sua extração exige empenho maior de recursos.
“Há campos no pré-sal que não são viáveis assim, como é o caso de Júpiter, que tem um teor de CO2 muito alto no gás associado”, diz Alexandre Szklo, professor de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ.
A grande quantidade de dióxido de carbono (CO2) existente em alguns dos campos do pré-sal não pode ser simplesmente liberada na atmosfera durante o processo de extração do petróleo. A solução encontrada pela Petrobras foi reinjetar parte desse gás nas áreas de onde o petróleo saiu. Isso envolve tecnologia de ponta, que é custosa.
Cálculos feitos por Szklo mostram que a estatal só lucraria com o petróleo extraído do campo de Júpiter caso o barril da commodity estivesse com preço acima de R$ 70.
Por sua vez, a Petrobras tem informado que a maior escala de sua produção, somada à experiência adquirida de explorações anteriores, já permite trabalhar com um preço mínimo rentável para o barril abaixo dos US$ 45.
Com exceção dos Estados Unidos, o Brasil foi o país que mais expandiu a produção de petróleo nos últimos anos. “A exploração no Mar do Norte está saturada. No Mar Cáspio há graves conflitos. Colômbia e México ainda precisam estruturar mais seus programas para o petróleo, o que faz das reservas brasileiras uma das mais interessantes que ainda existem”, pondera Szklo.
O PREÇO DA EXCLUSIVIDADE
Não é só o preço do petróleo que tem preocupado os operadores do pré-sal. Especialistas na área apontam alguns problemas de regulamentação. É o caso da política de conteúdo local, que estabelece que boa parte (entre 55% e 65%) dos equipamentos e sistemas usados na exploração dos campos de petróleo seja construída no país. “É uma prática que não tem mais sentido. Só afasta investidores”, diz Adriano Pires, presidente do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
Os princípios dessa política não são ruins, buscam valorizar a indústria nacional. Mas erraram a mão no momento de estabelecer os critérios. Com um grau de exigência elevado, o que se nota na prática é que a cadeia de fornecedores do país não consegue dar conta do percentual das demandas das empresas de petróleos que operam por aqui. E há um caráter punitivo embutido na medida, prevendo multas quando o grau de conteúdo não é atingido.
Hoje essa política tem funcionado mais como uma garantia de proteção à indústria nacional do que como um meio de somar valor às empresas, que deveria ser o ponto central da medida.
Outra regulação que precisaria ser revista, segundo afirma Pires, é a regra que obriga a Petrobras ter 30% dos blocos do pré-sal e ser operadora exclusiva desses campos. “A estatal não tem condições econômicas e financeiras para expandir sua carteira com essas obrigações”, diz Pires.
O especialista argumenta que, ao participar de todos os blocos, a Petrobras passa a ser obrigada a investir também naqueles nos quais não enxerga viabilidade econômica, incorporando os eventuais prejuízos dessas operações.
A Petrobras é uma máquina de fazer dinheiro, mas na situação atual, carregada de dívidas e segurando os gastos, pode não conseguir trazer para a superfície todo o potencial escondido no pré-sal. E sem a revisão de algumas regras vigentes, fica mais difícil encontrar parceiros que queiram ajudar a estatal a explorar esta que é uma das melhores reservas de petróleo do mundo.
As imprevisibilidades hoje dominam qualquer esforço de desenhar cenários de curto e médio prazo para o panorama energético brasileiro.
O engenheiro Paulo Ludmer é jornalista especializado em questões energéticas e professor da pos graduação da FEI-PUC e do Mackenzie. É autor de “Hemorragias Elétricas” (Artliber) e membro do Comitê Estrategico de Energia da Amcham
Os episódios extremos entre os quais tudo pode acontecer destroem ideias estáticas tais como a foto de um quadro favorável ao sucesso, de uma situação mediana ou fraca, com as quais muitos se acostumaram.
Hoje, o progresso na matemática atuarial e estatística nos obriga a pensar em trajetórias plausíveis de realidade, combinações de variáveis críticas exógenas e endógenas referentes ao objeto de nosso estudo.
Assim, nada mais é trivial em estocástica. Uma vez eleitas as suas variáveis críticas, há que estabelecer funções probabilísticas entre elas e suas milhares de combinações que ocorrem no mundo real. O mundo à frente, sem desprezo pelo aproveitamento do retrovisor..
Novas plataformas de gestão agregam programas computacionais de última geração (versões uptodatede matlab, simulin e outros). Elas finalmente apoiam a preparação de centenas, até mesmo milhares, de curvas que indicam para aonde o setor energético caminha, de acordo com o comportamento e recombinação online de dados.
As inserções de dados para os traçados online das curvas dinâmicas (verdadeiros filmes em movimento) que desenham o “para onde seguimos?” contemplam itens incontroláveis como os de taxa de juros, câmbio, inflação, PIB, até mudanças climáticas, greves, taxas de falhas de equipamentos, e todas as decisões de empreendimentos com seus respectivos riscos.
O objetivo é tornar o mais previsível o imprevisível. O que fazer de modo planejado para não chorar o leite derramado por eventos dramáticos (“como ninguém os antecipou”).
Depois de uma perda fulminante em uma fábrica, com milhares de empregados e milhões de reais de insumos em processamento, que sofreu a interrupção de suas atividades porque um engenheiro comprou um relê mais barato, só então acionistas, conselheiros de administração e executivos compreenderão definitivamente porque é relevante reduzir um extremo de imprevisibilidade dentro dos contornos de uma trajetória administrável.
Este é apenas um dos templates do setor energético brasileiro que carece de uma visão sistêmica para sua governança. Apenas para ilustrar, uma modelagem probabilística atual propicia que, num computador, o projeto de um novo Boeing seja inteiramente simulado, sem teste em tubos de vento, sem pré-fabricação de peças, como se fazia antigamente. O mesmo processo de modelagem se aplica hoje num carro de Fórmula I, num navio petroleiro gigante e num aparentemente simples celular.
As milhares de trajetórias oferecidas por esta plataforma serviriam para que um comando manejasse uma dúzia de botões de controle, que permitissem que:
1) todos os acionistas, conselheiros e executivos (no setor energético, equivale a que os agentes e as autoridades intervenientes na sua gestão), independentemente de sua multiqualificação, enxergassem uniformemente o modelo inteiro funcionando;
2) enxergassem também os diversos setores interagindo, que na realidade conversassem e se conhecessem integrados entre si, como por exemplo, as suas áreas financeiras e operacionais; e,
3) que as trajetórias que vão sendo percorridas não se afastassem dos targets que, no caso, de uma empresa, são o seu valor, quanto reaplicar no negócio, quanto distribuir de dividendos, quanto se endividar, quanto e como investir e que tais.
Conciliação
Por enquanto, o Brasil segue na pré-história da estocástica para o setor, enquanto nossa matriz energética mais se aproxima das antigas contas de padeiros do que de um roteiro vivo no qual as cadeias produtivas capturam os mais amplos efeitos de suas decisões de gestão e de negócios.
Nossa matriz ignora o dever de definir e induzir onde, quando, quanto, por que, como, quem deve produzir e ou consumir qual energia, em cada região do país.
Ao mesmo tempo, é preciso capturar completamente o comportamento da variável política. É ela que sustenta a embocadura para executar a partitura energética no Brasil, almejando conciliar, na governança, os objetivos de inclusão social, democracia e desenvolvimento. Mas, as dificuldades são monumentais.
É difícil quebrar a conserva da sociedade, retirar da zona de conforto aqueles que ganham com a imobilidade.
Visível tem sido o sacrifício da liberdade (democracia) em nome da igualdade (inclusão social, sob forte intervencionismo do aparelho do Estado), com prejuízo ao desenvolvimento, à competitividade da economia, à geração de riquezas e de produção, de inovação e avanços tecnológicos brasileiros.
Especialmente agora a ideologia e o partidarismo se entrincheiraram nos comandos legais nacionais, dificultando a extirpação do clientelismo, patrimonialismo, nepotismo e outras derivadas da ausência de um projeto de Nação.
A sociedade organizada (por exemplo, em entidades de classe) carece de interlocutores, os ministérios são feudos que sequer conversam entre si pela ausência de uma bússola comum.
O tsunami que o governo brasileiro impingiu desnecessariamente ao setor elétrico brasileiro e ao erário público, depois de 11 de setembro de 2012, ficou desde então nu e, em seguida, repugnante quando, em 2015, já custava à economia brasileira mais de R$ 100 bilhões (tendendo a R$ 140 bilhões até 2016), conforme o especialista Paulo Cesar Tavares apresentou ao Conselho de Infraestrutura da Associação Comercial de São Paulo (neste mês de agosto).
Observe-se que esta dinheirama não resolveu um único problema setorial estrutural, limitando-se a tapar buracos de caixa aqui e acolá, utilizando extravagâncias como a liquidez da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), num grotesco desvio de função que a tornou credora de distribuidoras devedoras de bancos.
A crise hidráulica e de energia não justificam essa perda, um dispêndio de péssima qualidade superior a todo ajuste fiscal; superior à arrecadação das privatizações; e, superior à maioria dos gastos sociais.
Eu somo com aqueles que denunciam há anos a queda da segurança jurídica e regulatória do setor. O diálogo dos agentes com o governo veio se judicializando crescentemente, espelhando e antecipando a crise institucional que afinal ganha as ruas brasileiras.
Mapa Global
Para não ficar de fora do mapa global, o Brasil se rendeu despreparado para os diversos marketings de interesse internacional. Às vezes lembra o antigo quarto de despejo onde se acumulavam nas casas coloniais aquilo que sobrava.
Eis os fatos. Com o esmaecimento das jazidas de petróleo do Mar do Norte, os países setentrionais europeus fizeram do limão a sua limonada, sob o vampiro do aquecimento global. Convenceram o mundo da necessidade de sequestrar carbono do ar e evitar as mudanças climáticas (embora 20% dos cientistas indiquem resfriamento).
Na verdade, Holanda, Dinamarca, entre outros, perderam a confiança de investir em mais navios, dutos, portos, refinarias e campos de petróleo no Oriente Médio conflagrado.
O Norte europeu sentiu-se inseguro com os dutos que vinham do Norte da África para a Comunidade Europeia, fossem da Nigéria, Argélia, Líbia, Tunísia et caterva. Tampouco os gasodutos russos inspiravam confiança geopolítica, estratégica e militar, cruzando a Tchechênia, a Ucrânia e o Cáucaso.
Há pouco a Alemanha recebeu um gasoduto russo pelo mar Báltico para evitar países intervenientes. Mas aí a Rússia anexou a Criméia e a Alemanha assustou-se.
O vertiginoso emprego de energia eólica e solar avançou da Polônia a Portugal; do Reino Unido à Espanha. Sua contenção se dá pela recessão do estouro da bolha imobiliária dos EUA, em 2007/08, depois do que sobraram torres, pás e painéis fotovoltaicos, além de que o déficit público, nos países mediterrâneos, atiçou protestos da população contra a subvenção à energia renovável mais cara do que a convencional fóssil. Os preços relativos mudaram a favor das velhas térmicas, até mesmo nucleares.
Aqui não vamos falar da prosperidade da produção de bens e serviços referentes às energias renováveis da China, que, despudorada, copia tecnologias à moda asiática e padece de poluição urbana insustentável. Inicialmente, a partir da Europa e depois do Oriente, então se impulsionaria seu forte emprego no Brasil, mercado capaz de assegurar alguma escala para os fabricantes mundiais com excesso de oferta desses equipamentos.
Era discurso oficial no Planalto que o Brasil não poderia ficar tecnologicamente atrasado; carecia de um arcabouço regulatório; da atratividade de fabricantes aqui radicados; de recursos humanos qualificados; de créditos incentivados referentes à política estratégica de Nação; de novas isenções tributárias e outros favores.
Ao final do dia, a eólica altamente incentivada esmagou as pequenas centrais hidrelétricas (810 projetos estagnados no país) sob um discurso ladino de que sua competitividade (repito, artificial) só perdia para as grandes hidrelétricas. Assim enterrou também a produção de energia elétrica de biomassa do setor sucroalcooleiro (um terço do qual quebrado ou em vias de).
Hoje o setor eólico é dos raros que ainda cresce no país (2 a 3 GW novos por ano) absorvendo a totalidade da produção doméstica de epóxi para as pás; aço da Usiminas e concreto para torres, movimentando milhares de carretas nas estradas, levando pás de 45 a 65 metros cada.
Uma simples grua desmontada requer mais de quarenta carretas para depois ser remontada. Num sítio eólico rugoso, montanhoso, cada torre demanda o deslocamento da grua desmontável...
Velha Combustão
Tudo o que se passa com um insumo energético impacta, por vasos comunicantes, sobre todos os demais. A eólica e a solar na Europa não eliminam os fósseis que respondem pela calefação no inverno. Então se prestam para carregar baterias de carros elétricos; para carregar células de hidrogênio e outros fins.
Não é de estranhar que o carro elétrico, pelas mesmas rotas traçadas desde o Mar do Norte, aqui esteja chegando, não aliviando nossa mobilidade urbana e sobrecarregando a demanda por mais geração. Aqui as eólicas guardam energia nos lagos e fazem dobradinha com a solar (sol de dia e vento de noite). É outra realidade perturbada por ambientalistas que não deixam renascer (desde 1986) as barragens hidrelétricas com lagos plurianuais de acumulação.
O veículo híbrido tem um pano de fundo. Pesquisadores de todo o mundo, há décadas, lutam para encontrar uma substituição para os motores a ciclo Otto e ciclo Diesel, sem sucesso. O etanol mantém o ciclo e, no máximo, mudaria o cartel exportador se lograsse sucesso (da OPEP para os canavieiros).
Mas surge uma surpresa: quem desfrutou de fato do esforço de marketing do etanol foi o álcool de milho norte americano, importado pelo Brasil, uma vez desbaratados os usineiros com preços congelados e adversidades de toda ordem por aqui.
A nova geração do etanol brasileiro quer a cana primitiva de Barbados, com muita lignina e menos sacarose; tratada com enzimas e leveduras desenvolvidas pela Holanda, Dinamarca e Estados Unidos. É outro caule, outra colheita, aplicações químicas com maior valor agregado e moderna gestão profissional..
De todo modo, o petróleo era pressionado por uma tenaz: as energias renováveis no setor elétrico; a rota do etileno pela alcoolquímica e do benzeno pela carboquímica. Alivia-se sua crise de excesso de oferta, por sua vez, com a economia crescendo puxada pela Índia e China, mais Oceania. O dólar fortalecido, vaivém que se repete há décadas, impede a perda de poder de compra no Golfo Pérsico.
A subversão do valor do óleo agravou-se com a exponencial oferta do gás de folhelho dos Estados Unidos e do óleo de xisto, que fazem os preços relativos de todos os energéticos infletirem no mundo.
Os EUA passam a exportadores de hidrocarbonetos, inclusive do carvão mineral, sem competitividade interna. A Europa recebe este carvão mais barato e mais seguro do que os crus do Oriente Médio, uma vez que ecologicamente não assume os riscos do fracking do shale gás, protegendo de riscos seus lençóis freáticos.
A Arábia Saudita abandona seu histórico papel de amortecedor de preços internacionais da Opep (exportadores de petróleo) e inunda o mercado de óleo derrubando preços, atingindo em cheio as renováveis subsidiadas e o próprio gás de folhelho e óleo de xisto. Seja como for, a indústria química em massa rumou para os EUA atrás de gás barato.
É neste quadro que a Petrobras é atingida pelos desmandos da Lava Jato e dos atrasos no seu pré-sal, em parte determinados por um Congresso que disputava os royalties de um óleo ainda no subsolo marítimo, e também criava nova regulação de partilha dos resultados dos jazimentos. Brasília impôs obrigações além da capacidade da estatal, carente de créditos e participações privadas em pesquisa, exploração e produção.
O esforço da Petrobras para transformar o pré-sal em riquezas, em espécie, é igual ou maior do que o da Nasa para colocar o homem na Lua. Precisa de dinheiro e gestão, sócios e inovação, desenvolvimento tecnológico e recursos humanos. Tudo isso em clima de liberdade e empreendedorismo, menos política, menos Estado, mais eficácia e mais eficiência. Os problemas externos a ela, as ameaças reais que o mundo apresenta, já ocupam bastante. Brasília deve ser parte da solução e não mais um problema.
O território nacional propicia a quase totalidade das fontes primárias de energia: insolação excepcional; ventos excelentes; biomassa para geração térmica ou biodigestão; carvão mineral e vegetal; potenciais hidráulicos; urânio e o domínio de seu ciclo de aproveitamento; hidrocarbonetos; gás natural...a lista é interminável. Repito aqui um aforismo sempre lembrado pelo meu professor José Goldemberg: “ tomemos o futuro em nossas mãos”.